segunda-feira, 21 de março de 2011

"Ele acorda já de tarde, abre os olhos lentamente, olha em redor, está sozinho. Vê-se ao espelho na casa de banho, passa a mão pelo queixo áspero da barba por fazer, deixa-a ficar assim. Toma um duche demorado, veste-se, calças de ganga, t-shirt, sapatos de ténis, um casaco grosso por cima. Sai de casa, entra no carro, arranca em direcção ao mar.

Senta-se numa esplanada no Guincho, com uma garrafa de cerveja na mão, a ver a praia vazia, assaltada pelas ondas. Apesar do Inverno, está um dia bom. O sol aquece. Na água, por entre a espuma da rebentação selvagem, saltam as velas das pranchas que ganham velocidade com o vento forte, para lá e para cá, sem dificuldade aparente. Ele coloca os pés em cima de uma cadeira em frente e deixa-se ficar a observar as manobras das pranchas. Pode ficar uma, duas horas assim, a admirar a praia, as pranchas, as velas, até o pôr-do-sol chegar.

O telemóvel anuncia uma mensagem. Levanta os óculos de sol para ler melhor o texto. Larga o aparelho em cima da mesa sem responder à mensagem. É de uma mulher com quem não lhe apetece falar. Mais uma, tem várias semelhantes que lhe foram sendo enviadas durante o dia por outras mulheres. Não lhe apetece nenhuma delas. A única que quer já não lhe envia mensagens, nem telefona. Nem sabe bem porquê, só sabe que desistiu dele sem qualquer explicação. E a culpa não é de ninguém, não há culpa, há só aquele vazio da saudade de alguém que já não está.

"É um homem na sua ilha. É bom no que faz, um trabalho solitário que lhe dá muito dinheiro e fama e não lhe ocupa muito tempo. As pessoas dizem-lhe que têm inveja, que é o ideal, muito por pouco. Ele sorri-lhes. Não é casado e não tem filhos. Sobra-lhe tempo, espaço, vida.

Não há mais ninguém na esplanada. Sente fome, repara que se esqueceu de almoçar. Agora pensa em jantar. Solta um suspiro de resignação, agarra no telemóvel, passa em revista as mensagens por responder. Qual há-de ser? Não quer jantar nem acabar a noite sozinho. Enquanto vê os nomes, pensa que todas lhe deram bastante prazer, mas foi só isso. Só uma lhe deu amor, a que não lhe responde, ou ele deu-lhe o seu amor.

Acaba a cerveja, pede outra. Bebe sem pressa, enquanto se decide. Envia uma mensagem, combina o jantar. Entretanto a tarde vai caindo, o sol enfraquece, levanta-se um vento frio. Dali a pouco vai-se embora a pensar nela, onde estará, o que estará a fazer, e a pensar na ironia dos amores, tantas vezes desencontrados."

Tiago Rebelo in "Amores desencontrados"

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