quarta-feira, 30 de março de 2011

"Ele pensa, é como tu disseste, a vida segue o seu caminho e, com o tempo, esqueces-me. E é assim, a maior parte do tempo. Na maior parte do tempo ele está entretido na sua vida e nem se lembra dela. Na maior parte do tempo, pensa, enquanto acende um cigarro, dá uma passa profunda, deita o fumo para o tecto da sala, na maior parte do tempo estou ocupado e divirto-me, nem sequer perdi a capacidade de me rir e de ser feliz, quase sempre.


Às vezes, ele lembra-se dela e prefere odiá-la, ou nem isso, apenas odiar o que ela lhe fez. Pensa, deixaste-me quando menos esperava e nunca vou conseguir compreender porque me fizeste isso, nem vou entender como foste capaz de o fazer com aquela ligeireza, com aquele desprendimento. Como pudeste dizer, apenas uns dias antes, que me amavas e morrias de medo que eu desistisse de ti, se não era verdade?


Bebe um pouco de vinho tinto sentado no sofá, o fumo do cigarro escapa-se por entre os dedos, vai-se acumulando por cima dele. Há na sua memória uma música que o faz lembrá-la e que ele já não consegue ouvir mas que não lhe sai da cabeça. Depois dela, ele já teve outras mulheres, mas não amou nenhuma. Foram todas expedientes para provar a si próprio que se está nas tintas, que a vida continuou, como ela lhe disse, que é capaz de voltar a apaixonar-se, embora não tenha sido isso que aconteceu. De qualquer modo, ele tem a sua vida e vive-a com despreocupação, com optimismo, como sempre. Não é, de modo algum, um homem amargurado, nem tão pouco se deixa consumir pelo desgosto que já lá vai.


Mas, um ano depois, encontra-a na rua. Falam-se com naturalidade, trocam poucas palavras, ela diz-lhe não estava à espera de te encontrar, ele graceja antes estivesses, ela ri-se. Naqueles breves instantes, registam todos os pormenores um do outro, o que mudou nela, o que tem ele de diferente, o que está igual, como reagem um ao outro. Depois ela parte. Ele fica em suspenso, como se não tivesse passado um ano e, nesse espaço de tempo, não lhe tivessem acontecido tantas coisas que poderia ter sido uma vida inteira.


Ele pensa, é como tu disseste, a vida segue o seu caminho e, com o tempo, esqueço-te. Mas então, porque é que não apaguei de mim o teu sorriso tímido, não esqueci os teus olhos, porque me lembro do teu perfume? Porque te perdoo, embora ache imperdoável o que me fizeste?


Dali a pouco, ele senta-se numa esplanada a beber um café. Já é noite e está frio, mas ele não se importa. Pensa que foi tudo tão mau, que a perdeu, e no entanto, sorri, hoje foi um dia bom."


Tiago Rebelo in "Quando menos se espera"

1 comentário:

  1. "Que saibas a sós
    que quando o amor fissura
    o seu abalo dura e perdura
    nas ondas que voltam e partem de nós."

    ResponderEliminar